domingo, 5 de outubro de 2014

Avon aposta em revendedores e clientes hispânicos nos EUA para superar crise

13 de outubro (Bloomberg) -- O Texas é grande. A manhã de Isabel Hernández é maior, mas não há nem um pedacinho livre na sua agenda do dia quando o telefone toca. Uma cliente ficou completamente sem óleo de banho. Isabel dá meia-volta na estrada e vai para a casa de Velma Aguilar.
"Hola!", diz ao chegar no rancho de Aguilar, em McAllen, a cidade de Rio Grande Valley a 12,8 quilômetros da fronteira mexicana. As duas se abraçam. Nos 30 minutos seguintes, lado a lado em um sofá de couro, ela leva a professora de jardim de infância aposentada a fazer um pedido de US$ 102,83 de óleos essenciais e cremes.
Isabel é membro de carteirinha da brigada de cuidados de beleza que circula pelos bairros americanos desde 1886.
Isabel Hernández, 39, é uma revendedora Avon recém-recrutada. É difícil imaginar uma corporação americana e uma pessoa que precisem mais uma da outra do que essas duas.
A empresa está afundando: sua força de vendas itinerante encolheu de um pico de 600 mil pessoas em 2004 para estimados 300 mil. No mesmo período, o valor de mercado da empresa caiu cerca de três quartos, para US$ 5 bilhões, e as ações declinaram 36% neste ano.
As acusações de má gestão e uma investigação chinesa por suborno, que como resultado fez com que a Avon chegasse a um acordo para pagar US$ 135 milhões em processos civis e criminais, são apenas o início para explicar essa situação.

Maioria hispânica

As melhores chances da Avon parecem estar em lugares como McAllen, a área comercial com palmeiras enfileiradas de uma cidade que esteve na mídia neste verão americano como destino de um número inédito de crianças desacompanhadas que atravessam a fronteira ilegalmente. Um total de 85% dos 137 mil moradores ilegais de McAllen é hispânico.
Os 10 principais distritos da Avon nos EUA têm maioria hispânica. Quase um terço dos representantes de alto nível de vendas e recrutamento é hispânico. Hernández é hispânica.
Se a empresa tivesse focado mais em seus clientes hispânicos antes, poderia ter evitado parte do problema, disse Pablo Muñoz, presidente da Avon North America, em uma conferência, em fevereiro.
Veja Isabel Hernández por exemplo. Ela tem três filhos --de 16, 8 e 4 anos de idade-- e marido, Cristino, 53, que é caminhoneiro. Eles moram em uma casa modesta de três quartos com um gramado cheio de mato. A renda familiar é de US$ 35 mil e atualmente só alguns milhares vêm de Isabel.
A soma total não vai muito longe, mesmo na extremidade de um empoeirado Texas.
Além disso, Cristino tem diabetes. Ele toma um medicamento em pílulas. E se os médicos decidirem que ele precisa injetar insulina, Isabel diz temer que ele perca a carteira de motorista. Um conselho médico estadual precisaria avaliar o caso.

Nasce um empreendimento

Esqueça esse assustador "e se". Isabel Hernández diz que o marido não sabe como eles chegam no fim do mês atualmente.
O plano é que ele se junte à esposa um dia como parceiro em seu nascente empreendimento Avon. Com apenas um ano no trabalho, Isabel ganha cerca de US$ 100 a cada duas semanas, então muita coisa deverá ser feita antes do que eles chamam de empresa sustentável.
"Eu só quero fazer o que é correto para a minha família", diz ela, por meio de uma tradutora. Isabel Hernández não fala inglês -- colegas revendedoras ajudaram na tradução durante as entrevistas.
Com um rosto redondo brilhante e olhos castanhos, ela nasceu em Soto La Marina, Tamaulipas, México, em 1975. Mãe solteira, ela chegou aos EUA em 2002 com a filha mais velha, deixando para trás um bom emprego de contadora com formação universitária depois que homens armados cercaram seu carro, no que ela acredita ter sido uma tentativa de sequestro.

Universo Tex-Mex

Com um visto de turista que usava regularmente para fazer compras nos EUA, ela se mudou para McAllen. Seu visto, juntamente com o de sua filha, expirou em 2012, tornando-a um dos estimados 1,8 milhão de imigrantes sem documentos do Texas. Ela disse que está trabalhando com um advogado para conseguir um status legal.
O fato de Isabel Hernández não ter medo de ter seu nome e sua história publicados decorre de seu alto nível de conforto em um universo Tex-Mex, onde o inglês e o espanhol se misturam na maior parte das conversas.
Os anúncios de uma loja de penhores em McAllen dizem "Buy Gold Silver" e, abaixo, "Compro Oro Y Plata" ("Compro ouro e prata", em português). Zonas comerciais de padrão mais alto, como concessionárias Mercedes, lojas Michael Kors e de outras marcas, atraem mexicanos ricos, que inventaram um verbo para seus passeios caros: mcallenear.

Tacos e tamales

No início, Isabel preparava tacos e tamales e os vendia na escola da filha por um dólar. Em 2005, ela se casou com Cristino, mexicano com cartão de residência permanente, e tiveram dois filhos.
No ano passado, uma professora e também revendedora da Avon a levou ao escritório de Silvia Tamayo, a superestrela da Avon em McAllen.
O sucesso de Tamayo atrai recrutas com a esperança de imitá-la. Também imigrante mexicana, e agora cidadã americana, Tamayo ganhou US$ 250 mil em seu melhor ano. Ela diz que ganha em média US$ 200 mil por ano e que mora com o marido e dois de seus três filhos adultos. Ela tem dois Mercedes e uma picape Ford F150 entre seus veículos.
Existem seis níveis na hierarquia da força de vendas, de líder de unidade até a posição de Tamayo de executiva nacional sênior, disse ela. A Avon dá a todas elas uma parcela do que seus recrutas de primeira, segunda e terceira geração conseguem.
Tamayo diz que o sistema não é um esquema de pirâmide porque os representantes abaixo dela ganham dinheiro, frequentemente um bom dinheiro.
Os revendedores americanos da Avon conseguiram embolsar 20% a 50% em lucros com pedidos que totalizaram mais de US$ 1 bilhão em produtos vendidos em 2013, disse Jennifer Vargas, porta-voz da empresa.
Vargas também disse que a Avon está fazendo de tudo para reverter a situação.
"Temos todos os ingredientes para o sucesso: uma marca poderosa e icônica da qual as pessoas gostam, ótimos produtos e revendedores fantásticos", disse ela.

'Diga sim à Avon'

As recrutas de Tamayo na Avon de McAllen não batem nas portas. É perigoso demais. Em vez disso, elas carregam amostras de delineadores e perfumes e abordam pessoas em lojas, restaurantes, igrejas, academias, estacionamentos de escolas.
Para cada 10 cartões que entrega, Tamayo, que ainda trabalha também como revendedora, diz que recebe dois telefonemas.
Isabel Hernández não para nunca. Até mesmo uma rápida parada para abastecer seu Chevy Sonic lhe dá a chance de percorrer as áreas próximas às bombas e o interior de um mini-mercado e entregar cartões.
No início da tarde, Isabel vai para casa, na cidade de Alamo, para resolver burocracias e dar telefonemas. Sentada à sua mesa, em uma sala pequena, ela aponta para uma televisão de tela plana. Ela ganhou a televisão, um iPad, uma máquina de pipoca e um espremedor, em várias promoções de recrutamento da Avon.
Às 15h, ela sai para buscar os filhos na escola e os leva ao McDonald's, onde o Big Mac é vendido com desconto às quartas-feiras.
Isabel deixa Melissa, sua filha mais velha, que é bilíngue, cuidando dos irmãos mais novos que comem e brincam no playground interno.
"Ela tem esse impulso de fazer tudo muito bem", diz Melissa sobre a mãe. "E eu acho que a Avon é aquilo que ela faz melhor.

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