segunda-feira, 28 de julho de 2014

Brincadeira de menina X brincadeira de menino

    
Meninos e meninas brincando de bambolê
Em 2010, uma pesquisa feita pela Universidade de Cambridge com bebês de 1 ano mostrou que quase a mesma quantidade de meninos e meninas indicava preferência por bonecas. A partir dos 2 anos, os garotos passavam a se interessar mais por carrinhos. Ao final, o estudo concluiu que o gosto por brinquedos é adquirido socialmente, ou seja, não é algo inato.
A grande questão é que muitos pais ficam de cabelos arrepiados só de pensar em seu filho brincando de panelinha. Assim como torcem o nariz para as meninas que apreciam carrinhos. Não é raro presenciar pais e familiares interferindo no brincar ao rotular que determinada brincadeira não serve, porque é destinada ao sexo oposto.
Mas por que isso assusta tanto os pais?
Segundo Cláudia Siqueira, diretora do Instituto Sidarta, os pais se sentem amedrontados porque essa é uma convenção social. Somos um país latino que tem essa questão de gênero muito arraigada desde o enxoval - prova disso é que o quarto do bebê só é decorado após ter seu sexo definido.
“Estamos falando de uma geração educando outra geração e a memória de educação que os pais têm é a que eles próprios receberam”, afirma.
Como agir
A melhor forma de lidar com essas situações é com naturalidade. Não existe brincadeira de menino e de menina. Existe o brincar. Os pequenos aprendem por meio da exploração. Se lhes são oferecidos materiais e brinquedos diferentes, eles vão ter mais escolhas.
“A criança não brinca apenas de carrinho ou de boneca; ela brinca com tampa, com papel, com garrafa, com tecido. Se os pais compram somente brinquedos considerados ‘de menino’ ou ‘de menina’, é essa a referência que os filhos terão”, completa Cláudia.
Durante o brincar, existe para a criança um universo de experimentação de objetos, vivências e descobertas. Brincar é apropriar-se do mundo. E de maneira alguma esses objetos influenciam na sexualidade.
“É um equívoco as famílias tirarem dos filhos determinado objetos que pressupõem que influenciarão a sexualidade. A sexualidade não está ligada aos objetos; é simplista demais pensar nisso”, enfatiza a diretora do Instituto Sidarta.
Muito além do gênero
Uma criança que tem maior possibilidade de experimentação também terá uma ampliação de repertório e enxergará o brincar além das questões de gênero. Por isso, é importante que os pais proporcionem experiências mais amplas e de diversidade para o seu filho.
“Não se trata de estimular determinada situação, mas sim de não podar essa situação quando ela acontecer. O brincar deve sempre respeitar a exploração lúdica da criança permitindo que escolha qual papel quer ter naquela brincadeira”, explica Cláudia Siqueira.
A escritora Liliane Prata é mãe de Valentina, que acaba de completar 3 anos, e, desde sempre, ela procura ensinar à pequena que ela não precisa fazer ou deixar de fazer algo simplesmente por ser menina.
“Independentemente de pertencerem ao gênero masculino ou feminino, as crianças, assim como os adultos, são indivíduos. Procuro respeitar a individualidade da minha filha, os gostos dela, estejam eles dentro dos estereótipos de gênero ou não. Procuro deixá-la livre para a atividade que a interessa, independentemente de essa atividade ser estimulada ou desencorajada para meninas. Minha filha pode brincar de varrer ou de carrinho, numa boa”, afirma.
Deixando os filhos livres
Valentina agora está na fase das princesas. Assim como grande parte das mães de meninas, Liliane conta história da Cinderela e até atendeu ao pedido da filha e encarou o tema para o aniversário. Ao mesmo tempo, busca deixá-la livre da preocupação de estar sempre arrumadinha, impecável, falar baixo, essas coisas que dizem ser “de menina”.
“Eu a deixo livre para ser bem moleca, correr, se sujar. E, quando o assunto aparece, esclareço que ela não precisa deixar de fazer nada por ser menina. Outro dia, um colega da escola disse que ela não podia ser o Batman, porque o Batman é menino. Ora, ela não brinca de ser um gato, de ser leão, de ser princesa? Disse a ela que ela pode ser o Batman, sim, que pode brincar de qualquer coisa, e então, de repente, ela era o Batman”, diverte-se a mãe.
Liliane conta, no entanto, que o que mais vê é pai de menino não deixando o filho se divertir com o brinquedo de Valentina, pelo fato de o ser rosa ou uma miniatura de panela.
“É uma pena, porque o menino muitas vezes quer brincar e acredito que a vontade dele deve ser respeitada. Eu era fã de uma colega da faculdade que, dez anos atrás, comprou um bebê para o filho dela porque ele pediu. Ela não fez discurso algum nem deu grande importância àquilo, agiu de modo muito natural. Não precisa forçar a barra, mas se a criança quer, qual é o problema? Sou a favor de respeitarmos as individualidades”, enfatiza.
Apostar em uma educação livre do domínio dos gêneros requer jogo de cintura dos pais. Com base no que escutou fora de seu ambiente familiar, às vezes, Valentina questiona a mãe, quando alguém a interpela dizendo que a brincadeira é de menino.
Nessa hora, Liliane não se estressa, apenas diz algo como: “Ué, se você quer brincar disso, então não é só de menino, porque você é menina”. “Valentina traz da rua a informação e eu esclareço de acordo com o que acho correto, mas sem transformar isso num grande problema”, completa.
A blogueira Nívea Salgado também teve uma experiência com a pequena Catarina, que ganhou por engano um super-herói na festa de aniversário – e foi o presente que a pequena mais gostou.
E a sexualidade onde fica?
Sexualidade não tem nada a ver com função. Não é necessário explicar isso para as crianças porque elas não têm nenhum filtro em relação a esse aspecto de homens e mulheres quando está brincando. É o adulto que coloca juízo de valor.
Uma menina só se nega a brincar com um carrinho quando alguém lhe diz que aquilo é brincadeira de menino. E ela não está se divertindo com um carrinho pelo fato de hoje termos pilotos mulheres da Fórmula 1, por exemplo. Ela está brincando por brincar.
Quem tem os fantasmas são os adultos e não as crianças. Os adultos precisam ter um olhar mais generoso e humanista para essa criança, precisam garantir a ela o universo do brincar.
Com experiência no atendimento de crianças e adolescentes, a psicóloga clínica Miriam Barros lembra que entre os 5 e 6 anos de idade surgirão perguntas espontâneas das crianças sobre sexualidade e o mundo dos homens e das mulheres.
“Os pais não precisam ficar preocupados em abordar esse assunto, mas sim em criar um ambiente de liberdade para que a criança expresse sem receios a sua curiosidade”, diz.

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